O peso das expectativas sobre as mães de filhos com necessidades especiais vai além dos desafios financeiros, refletindo uma carga emocional imensa.
O amor não se mede pelo que conseguimos ou deixamos de fazer, mas pela forma como, no fundo, estamos sempre tentando. (Foto: Arquivo Pessoal)

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Eu tinha tan­tos temas na minha lis­ta para esta colu­na, tan­tos assun­tos pla­ne­ja­dos para com­par­ti­lhar, mas, de repen­te, a vida me inter­rom­peu. Algo acon­te­ceu essa sema­na que me tirou do eixo, me fez parar e refle­tir. A prin­cí­pio, pen­sei que o caos todo esta­va rela­ci­o­na­do a ques­tões finan­cei­ras — e, sim, essa é uma rea­li­da­de que mui­tas mães atí­pi­cas enfren­tam. O desa­fio finan­cei­ro é um peso cons­tan­te, mas, ao con­trá­rio do que mui­tos ima­gi­nam, ele não é o úni­co vilão.

A mai­o­ria de nós, mães de filhos com neces­si­da­des espe­ci­ais, vive um ver­da­dei­ro mala­ba­ris­mo diá­rio, ten­tan­do equi­li­brar a mater­ni­da­de com a vida pro­fis­si­o­nal. Não impor­ta o quão capa­ci­ta­das seja­mos, a deman­da sobre nos­sos ombros mui­tas vezes nos impe­de de nos entre­gar­mos com­ple­ta­men­te ao tra­ba­lho, como gos­ta­ría­mos. Conciliar horá­ri­os não é sim­ples, e, por mais que nos esfor­ce­mos, a vida nos impõe obs­tá­cu­los imen­sos.

Na sema­na pas­sa­da, me vi em uma situ­a­ção que me dei­xou com­ple­ta­men­te deso­ri­en­ta­da. Chegaram os bole­tos do pla­no de saú­de dos meni­nos, o cus­to da tro­ca de órte­se do Samuel, e, ao mes­mo tem­po, meus filhos pedi­ram um lan­che e Isaac que­ria um iogur­te. Eu sim­ples­men­te não tinha dinhei­ro naque­le momen­to. A sen­sa­ção de impo­tên­cia foi esma­ga­do­ra. Não con­se­gui aten­der a neces­si­da­des sim­ples dos meus filhos e o deses­pe­ro tomou con­ta de mim.

Me cobrei mui­to. Me sen­ti uma mãe pés­si­ma, uma frau­de. Eu não con­se­guia dar aos meus filhos algo tão sim­ples quan­to um lan­che, como con­se­gui­ria coi­sas mais impor­tan­tes? A frus­tra­ção se mis­tu­ra­va com a cul­pa, pois a soci­e­da­de cons­tan­te­men­te nos lem­bra que a res­pon­sa­bi­li­da­de sobre os filhos é da mãe, e ape­nas da mãe. É como se fôs­se­mos as úni­cas res­pon­sá­veis pelo bem-estar e feli­ci­da­de deles, como se, ao falhar­mos em algo, esti­vés­se­mos com­pro­me­ten­do a pró­pria essên­cia da mater­ni­da­de.

Mas os dias pas­sa­ram. E, quan­do final­men­te pude com­prar o lan­che, uma sen­sa­ção de dever cum­pri­do me envol­veu, tra­zen­do con­si­go uma paz momen­tâ­nea. Foi então que per­ce­bi que o pro­ble­ma não esta­va em con­se­guir ou não com­prar o lan­che, nem mes­mo nas con­tas que esta­vam che­gan­do. O que real­men­te me aba­la­va era o peso des­sa cul­pa invi­sí­vel — o sen­ti­men­to de não estar à altu­ra das expec­ta­ti­vas que a soci­e­da­de, e até eu mes­ma, colo­co sobre mim.

Esta não é uma his­tó­ria sobre con­se­guir ou não com­prar um lan­che. Mas sim uma refle­xão sobre as dores e cul­pas que car­re­ga­mos como mães, espe­ci­al­men­te aque­las que, como eu, vivem a mater­ni­da­de atí­pi­ca. Nossos filhos com­pre­en­dem mais do que pen­sa­mos, mas a pres­são que colo­ca­mos sobre nós mes­mas é imen­sa. Não pode­mos falhar, não pode­mos errar, por­que, no fun­do, sen­ti­mos que, se falhar­mos, esta­mos falhan­do com eles, com o que eles espe­ram de nós.

O deses­pe­ro de uma mãe nun­ca está, de fato, rela­ci­o­na­do a ela mes­ma. Está sem­pre rela­ci­o­na­do ao que ela sen­te que não con­se­guiu fazer pelos filhos. A mater­ni­da­de, para nós, é uma entre­ga cons­tan­te, um doar-se de cor­po e alma, e é isso que, mui­tas vezes, nos con­so­me. Mas tam­bém é isso que nos tor­na for­tes, por­que, ape­sar de todos os desa­fi­os, segui­mos. Mesmo que seja em meio ao caos, segui­mos.

Talvez seja hora de nos per­mi­tir errar. De enten­der que falhar não nos tor­na menos mães, nem menos capa­zes. Que o amor não se mede pelo que con­se­gui­mos ou não fazer, mas pela for­ma como, no fun­do, esta­mos sem­pre ten­tan­do. E que, se tiver­mos o apoio de outras mães, até mes­mo por meio de uma sim­ples con­ver­sa, tal­vez pos­sa­mos come­çar a ali­vi­ar essa car­ga que, mui­tas vezes, car­re­ga­mos sozi­nhas. Porque a mater­ni­da­de, aci­ma de tudo, é uma jor­na­da que não pre­ci­sa ser fei­ta em soli­dão.

Lembre-se de que, nes­sa cami­nha­da, você tam­bém é impor­tan­te. Permita-se tomar um chá com uma ami­ga, faça as unhas, arru­me o cabe­lo, pois isso tudo con­ta mui­to para que você con­si­ga con­ti­nu­ar nes­sa mis­são. E, no final, é mais impor­tan­te do que você ima­gi­na.

SOBRE O AUTOR

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Karen Andrielly

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