OPINIÃO

Por cima ou por baixo dos panos, o “pickpocket” aos cofres públicos escancara o desprezo das classes intocáveis pela população
Enquanto eles riem, o brasileiro chora (e paga a conta)
Ilustração: Reprodução/Agência Congresso

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Por onde eu come­ço? Ontem à noi­te, enquan­to vol­ta­va de uma gra­va­ção de pod­cast, essa per­gun­ta mar­ge­a­va meus pen­sa­men­tos.

Quando deci­di escre­ver essa seção de Opinião e suge­ri o nome “Vergonha alheia”, ima­gi­na­va que abor­da­ria ape­nas uma situ­a­ção trá­gi­ca sema­nal do cená­rio polí­ti­co-soci­al des­se nos­so Brasilzão, “aben­ço­a­do por Deus”. Não esta­ria mais erra­do, cla­ro.

Durante os últi­mos dias, fui, e cer­ta­men­te não ape­nas eu, soter­ra­do por notí­ci­as envol­ven­do cor­rup­ção, lava­gem de dinhei­ro, fal­si­fi­ca­ção de docu­men­tos, ven­da de sen­ten­ças e uma lis­ta de tra­moi­as. Todos os casos envol­ven­do nos­sos repre­sen­tan­tes públi­cos em car­gos ele­va­dos, em cada can­to do ter­ri­tó­rio naci­o­nal. De man­che­te a man­che­te que eu lia nos gran­des por­tais e canais de TV, pen­sa­va: não pode pio­rar. E outra vez, eu não esta­ria tão erra­do em rela­ção à rea­li­da­de.

Vou lis­tar alguns acon­te­ci­men­tos enfá­ti­cos, caso você, que­ri­do lei­tor, não acom­pa­nhe o tea­tro dos vam­pi­ros que suga as vei­as da pátria ama­da. Veja bem, não o cul­po por não acom­pa­nhar, é pre­ci­so estô­ma­go for­te ou qua­se nenhu­ma sen­si­bi­li­da­de.

Lembram do voto de cabres­to? Um velho conhe­ci­do do elei­tor, aque­le em que o indi­ví­duo que ven­deu seu voto por miga­lhas é “fis­ca­li­za­do” para garan­tir que vote no can­di­da­to cor­rup­tor. Em tem­pos de elei­ções digi­tais, o cri­a­ti­vo e ines­cru­pu­lo­so can­di­da­to tem em suas mãos o exce­len­te ócu­los espião, com câme­ra embu­ti­da. Sim, meus caros, o reba­nho com­pra­do tem que entrar na seção elei­to­ral usan­do os ócu­los, que gra­vam o momen­to da vota­ção. Sem pro­va, sem gra­na.

O caso ocor­reu em uma cida­de do Pará duran­te o pri­mei­ro tur­no das elei­ções muni­ci­pais. Já faz um tem­pi­nho, eu sei, mas é emble­má­ti­co. No fatí­di­co dia, uma mesá­ria sus­pei­tou dos suces­si­vos elei­to­res que entra­vam usan­do os mes­mos mode­los de ócu­los. Ela infor­mou as auto­ri­da­des, um can­di­da­to a vere­a­dor que con­cor­ria a ree­lei­ção foi pre­so e uma elei­to­ra con­fir­mou que havia rece­bi­do duzen­tos reais pelo voto. Mas, como dizem: Aqui é Brasil, c……! Então, o vere­a­dor ree­lei­to (pois é) pagou fian­ça, está sol­to e ain­da falou que “a jus­ti­ça será pro­va­da. Estou aqui de alma lava­da… não tenho nada a me enver­go­nhar” em ses­são da Câmara de Vereadores local, após o ocor­ri­do. Senhor vere­a­dor, eu tam­bém espe­ro que a jus­ti­ça seja pro­va­da, mas não con­fio nis­so, como cla­ra­men­te você tam­bém não.

Enquanto eles riem, o brasileiro chora (e paga a conta)

Noutro dia des­ses, come­cei o dia ins­pi­ra­do, até “abrir” o cader­no de polí­ti­ca: um depu­ta­do fede­ral gaú­cho foi acu­sa­do em dela­ção pre­mi­a­da por cobrar pro­pi­na em con­tra­tos da Saúde quan­do foi pre­fei­to em um muni­cí­pio, entre 2017 e 2020. Não bas­tas­se o fato, o ges­tor, então muni­ci­pal, recla­ma na gra­va­ção que não quer rece­ber o seu “com­bi­na­do sagra­do” em lon­gos 30 meses de R$ 700 mil a R$ 800 mil. É uma bar­ba­ri­da­de!

Não sei vocês, mas eu fiquei com pena dele. Como assim, rece­ber par­ce­la­do o “sagra­do”? (sic).

Mas a vida segue, até eu tro­pe­çar em outro caso, mas esse nem é tão des­co­nhe­ci­do assim. Quer dizer, o caso é novo, mas os envol­vi­dos são velhís­si­mos conhe­ci­dos do públi­co bra­si­lei­ro: irmãos Joesley e Wesley Batista. Aqueles mes­mo!

Dessa vez eles estão no ramo dos jabu­tis. Calma, não vão aba­ter os pobres e boni­ti­nhos quelô­ni­os ter­res­tres. Os jabu­tis que eles andam se meten­do são as emen­das des­ne­ces­sá­ri­as embu­ti­das em pro­je­tos de lei que estão pró­xi­mos da vota­ção no Congresso Nacional. Explico. Em bre­ve deve ser vota­do o PL 11.247/2018, conhe­ci­do como PL das Eólicas Offshore, que tra­ta do incen­ti­vo à ins­ta­la­ção de tor­res de ener­gia eóli­ca em alto mar, no lito­ral do país. Até aí, tudo bem, o momen­to é das ener­gi­as lim­pas. O pro­ble­ma, que­ri­do lei­tor que ain­da está me len­do, foi o amon­to­a­do de emen­das para os seto­res de, pas­mem, ener­gia gera­da por quei­ma de car­vão e gás natu­ral, que lobis­tas mal-inten­ci­o­na­dos con­se­gui­ram inse­rir no pro­je­to. Pois é, e adi­vi­nhem quem tem uma gran­de empre­sa de ener­gia a car­vão? J&W Brothers! Os donos da Âmbar Energia. No vácuo deles, entrou Carlos Suarez, dono da Termogás, conhe­ci­do como “rei do gás”, que tam­bém será bene­fi­ci­a­do se os tais jabu­tis pas­sa­rem no Congresso. E nós sabe­mos que a cons­ci­ên­cia de mui­tos par­la­men­ta­res é menor que a atmos­fe­ra de Marte.

Enquanto eles riem, o brasileiro chora (e paga a conta)
Ilustração: Reprodução/Web

Para resu­mir, a brin­ca­dei­ra de J&W and Suarez pode cus­tar ao seu, ao meu, ao nos­so bol­so, a cifra de R$ 247 bilhões, até 2050, com algo que não pre­ci­sa­mos e que vai na con­tra­mão às metas de redu­ção de emis­são de polu­en­tes. E isso tudo vai parar na sua con­ta de ener­gia! Por que você acha que com tan­ta hidre­lé­tri­ca ain­da paga­mos uma das tari­fas mais caras do mun­do? Sim, eu tenho ver­go­nha de ter a mes­ma naci­o­na­li­da­de des­ses caras.

Mas, vamos lá, se você ain­da não se can­sou, meus para­béns, guer­rei­ro (a,e)! Porque mate­ri­al de estu­do não nos fal­ta! E ago­ra é aque­le momen­to em que uma gota se for­ma no can­ti­nho do seu olho, que já está tre­men­do faz 15 minu­tos.

Meu que­ri­do Mato Grosso do Sul. Minha ter­ra ver­me­lha, não tão que­ri­da assim. É por aqui que o caso mais pesa­do espa­lhou a m%$# no ven­ti­la­dor do Judiciário. Numa só leva, todo o alto esca­lão do Tribunal de Justiça do MS, de pre­si­den­te atu­al, pre­si­den­te elei­to para 2025–2026, vice elei­to e outros dois desem­bar­ga­do­res foram denun­ci­a­dos por ven­da de sen­ten­ças. Sem con­ta vári­os outros fun­ci­o­ná­ri­os de car­gos meno­res.

Enquanto eles riem, o brasileiro chora (e paga a conta)

Não sei o que é mais indig­nan­te. Os magis­tra­dos, que deve­ri­am ser exem­plos da cor­re­ta apli­ca­ção da jus­ti­ça, afi­nal são con­tra­ta­dos e pagos para isso pelo nos­so dinhei­ro, cor­rom­pen­do-se com a faci­li­da­de de um aper­to de mão, sem remor­so algum. Desembargadores que têm salá­ri­os de até R$ 200 mil men­sais, uma lis­ta de bene­fí­ci­os mai­or que minha lis­ta de bole­tos atra­sa­dos. Sinceramente, tem neces­si­da­de de fazer essas coi­sas, senho­res?

Mas minha cabe­ça é inqui­e­ta, devem ter nota­do. Então, uma dúzia de per­gun­tas, tal­vez ain­da mais impor­tan­tes que toda essa bal­búr­dia, fica­ram pis­can­do o aler­ta aqui abai­xo das minhas madei­xas que cau­sam inve­ja aos ami­gos que já des­te­lha­dos estão. Como ficam as sen­ten­ças ven­di­das por esses ele­men­tos duran­te todos esses anos? Quantas pes­so­as foram lesa­das e tive­ram seus direi­tos piso­te­a­dos? Quantas áre­as de pre­ser­va­ção, e nem vou entrar em deta­lhes, devem ter sido trans­for­ma­das em con­do­mí­ni­os de luxo com sen­ten­ças ven­di­das? Quanto dinhei­ro públi­co foi para onde não devia, enquan­to mães pre­ci­sam ir a far­má­ci­as com­prar o cole­tor de uri­na para exa­me na UPA, poque está em fal­ta no esto­que da uni­da­de de saú­de? Alguém liga para todas essas con­sequên­ci­as? Não. E não pen­se que eles estão pre­o­cu­pa­dos com isso ago­ra que foram des­co­ber­tos. Eles sabem que estão aci­ma da lei. SIM, eles estão e sabem, tan­to é que nenhum deles com­pa­re­ceu para colo­car as tor­no­ze­lei­ras ele­trô­ni­cas até o meio-dia des­ta sex­ta-fei­ra, dia 1 de novem­bro. E alguém vai atrás deles? Claro que não. Deve ter mui­to mais per­ce­ve­jo nes­se pele­go, ah, se tem!

E como nós fica­mos no meio dis­so tudo? Muitos ficam enver­go­nha­dos por con­vi­ver com essa far­ra todo dia. Outros, ain­da mais indig­na­dos, mas por­que que­ri­am estar na mes­ma far­ra, no lugar deles. 

Até a pró­xi­ma sema­na! (assim espe­ro)

SOBRE O AUTOR

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Odirley Deotty

Odirley Deotti é jornalista, escritor, designer gráfico e chefe de redação do Guia MS Notícias.

"Os artigos assinados por editores convidados refletem as opiniões e visões pessoais dos autores e não necessariamente representam a posição editorial deste jornal. O conteúdo é de inteira responsabilidade dos respectivos colaboradores."

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