Por onde eu começo? Ontem à noite, enquanto voltava de uma gravação de podcast, essa pergunta margeava meus pensamentos.
Quando decidi escrever essa seção de Opinião e sugeri o nome “Vergonha alheia”, imaginava que abordaria apenas uma situação trágica semanal do cenário político-social desse nosso Brasilzão, “abençoado por Deus”. Não estaria mais errado, claro.
Durante os últimos dias, fui, e certamente não apenas eu, soterrado por notícias envolvendo corrupção, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos, venda de sentenças e uma lista de tramoias. Todos os casos envolvendo nossos representantes públicos em cargos elevados, em cada canto do território nacional. De manchete a manchete que eu lia nos grandes portais e canais de TV, pensava: não pode piorar. E outra vez, eu não estaria tão errado em relação à realidade.
Vou listar alguns acontecimentos enfáticos, caso você, querido leitor, não acompanhe o teatro dos vampiros que suga as veias da pátria amada. Veja bem, não o culpo por não acompanhar, é preciso estômago forte ou quase nenhuma sensibilidade.
Lembram do voto de cabresto? Um velho conhecido do eleitor, aquele em que o indivíduo que vendeu seu voto por migalhas é “fiscalizado” para garantir que vote no candidato corruptor. Em tempos de eleições digitais, o criativo e inescrupuloso candidato tem em suas mãos o excelente óculos espião, com câmera embutida. Sim, meus caros, o rebanho comprado tem que entrar na seção eleitoral usando os óculos, que gravam o momento da votação. Sem prova, sem grana.
O caso ocorreu em uma cidade do Pará durante o primeiro turno das eleições municipais. Já faz um tempinho, eu sei, mas é emblemático. No fatídico dia, uma mesária suspeitou dos sucessivos eleitores que entravam usando os mesmos modelos de óculos. Ela informou as autoridades, um candidato a vereador que concorria a reeleição foi preso e uma eleitora confirmou que havia recebido duzentos reais pelo voto. Mas, como dizem: Aqui é Brasil, c……! Então, o vereador reeleito (pois é) pagou fiança, está solto e ainda falou que “a justiça será provada. Estou aqui de alma lavada… não tenho nada a me envergonhar” em sessão da Câmara de Vereadores local, após o ocorrido. Senhor vereador, eu também espero que a justiça seja provada, mas não confio nisso, como claramente você também não.
Noutro dia desses, comecei o dia inspirado, até “abrir” o caderno de política: um deputado federal gaúcho foi acusado em delação premiada por cobrar propina em contratos da Saúde quando foi prefeito em um município, entre 2017 e 2020. Não bastasse o fato, o gestor, então municipal, reclama na gravação que não quer receber o seu “combinado sagrado” em longos 30 meses de R$ 700 mil a R$ 800 mil. É uma barbaridade!
Não sei vocês, mas eu fiquei com pena dele. Como assim, receber parcelado o “sagrado”? (sic).
Mas a vida segue, até eu tropeçar em outro caso, mas esse nem é tão desconhecido assim. Quer dizer, o caso é novo, mas os envolvidos são velhíssimos conhecidos do público brasileiro: irmãos Joesley e Wesley Batista. Aqueles mesmo!
Dessa vez eles estão no ramo dos jabutis. Calma, não vão abater os pobres e bonitinhos quelônios terrestres. Os jabutis que eles andam se metendo são as emendas desnecessárias embutidas em projetos de lei que estão próximos da votação no Congresso Nacional. Explico. Em breve deve ser votado o PL 11.247/2018, conhecido como PL das Eólicas Offshore, que trata do incentivo à instalação de torres de energia eólica em alto mar, no litoral do país. Até aí, tudo bem, o momento é das energias limpas. O problema, querido leitor que ainda está me lendo, foi o amontoado de emendas para os setores de, pasmem, energia gerada por queima de carvão e gás natural, que lobistas mal-intencionados conseguiram inserir no projeto. Pois é, e adivinhem quem tem uma grande empresa de energia a carvão? J&W Brothers! Os donos da Âmbar Energia. No vácuo deles, entrou Carlos Suarez, dono da Termogás, conhecido como “rei do gás”, que também será beneficiado se os tais jabutis passarem no Congresso. E nós sabemos que a consciência de muitos parlamentares é menor que a atmosfera de Marte.
Para resumir, a brincadeira de J&W and Suarez pode custar ao seu, ao meu, ao nosso bolso, a cifra de R$ 247 bilhões, até 2050, com algo que não precisamos e que vai na contramão às metas de redução de emissão de poluentes. E isso tudo vai parar na sua conta de energia! Por que você acha que com tanta hidrelétrica ainda pagamos uma das tarifas mais caras do mundo? Sim, eu tenho vergonha de ter a mesma nacionalidade desses caras.
Mas, vamos lá, se você ainda não se cansou, meus parabéns, guerreiro (a,e)! Porque material de estudo não nos falta! E agora é aquele momento em que uma gota se forma no cantinho do seu olho, que já está tremendo faz 15 minutos.
Meu querido Mato Grosso do Sul. Minha terra vermelha, não tão querida assim. É por aqui que o caso mais pesado espalhou a m%$# no ventilador do Judiciário. Numa só leva, todo o alto escalão do Tribunal de Justiça do MS, de presidente atual, presidente eleito para 2025–2026, vice eleito e outros dois desembargadores foram denunciados por venda de sentenças. Sem conta vários outros funcionários de cargos menores.
Não sei o que é mais indignante. Os magistrados, que deveriam ser exemplos da correta aplicação da justiça, afinal são contratados e pagos para isso pelo nosso dinheiro, corrompendo-se com a facilidade de um aperto de mão, sem remorso algum. Desembargadores que têm salários de até R$ 200 mil mensais, uma lista de benefícios maior que minha lista de boletos atrasados. Sinceramente, tem necessidade de fazer essas coisas, senhores?
Mas minha cabeça é inquieta, devem ter notado. Então, uma dúzia de perguntas, talvez ainda mais importantes que toda essa balbúrdia, ficaram piscando o alerta aqui abaixo das minhas madeixas que causam inveja aos amigos que já destelhados estão. Como ficam as sentenças vendidas por esses elementos durante todos esses anos? Quantas pessoas foram lesadas e tiveram seus direitos pisoteados? Quantas áreas de preservação, e nem vou entrar em detalhes, devem ter sido transformadas em condomínios de luxo com sentenças vendidas? Quanto dinheiro público foi para onde não devia, enquanto mães precisam ir a farmácias comprar o coletor de urina para exame na UPA, poque está em falta no estoque da unidade de saúde? Alguém liga para todas essas consequências? Não. E não pense que eles estão preocupados com isso agora que foram descobertos. Eles sabem que estão acima da lei. SIM, eles estão e sabem, tanto é que nenhum deles compareceu para colocar as tornozeleiras eletrônicas até o meio-dia desta sexta-feira, dia 1 de novembro. E alguém vai atrás deles? Claro que não. Deve ter muito mais percevejo nesse pelego, ah, se tem!
E como nós ficamos no meio disso tudo? Muitos ficam envergonhados por conviver com essa farra todo dia. Outros, ainda mais indignados, mas porque queriam estar na mesma farra, no lugar deles.
Até a próxima semana! (assim espero)