OPINIÃO

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Será que a cora­gem de ser quem somos está atre­la­da ao nos­so per­ten­ci­men­to? Será que sen­tir que faze­mos par­te de algo real e sig­ni­fi­ca­ti­vo pode mudar tudo e tra­zer a cora­gem de ser quem somos de ver­da­de? Podemos fin­gir pelo sim­ples fato de pre­ci­sar ser per­ten­cen­te de algo? São per­gun­tas que che­gam para mim quan­do con­ver­so com pes­so­as que estão bus­can­do encon­trar o remé­dio para ali­vi­ar tan­ta dor den­tro delas. Elas sen­tem que pre­ci­sam per­ten­cer, pre­ci­sam fazer par­te. Mas será que elas estão fazen­do par­te de algo que cami­nham para as rela­ções sau­dá­veis?

Podemos come­çar com a defi­ni­ção de per­ten­ci­men­to. Segundo Brené Brown, é o dese­jo huma­no ina­to de ser par­te de algo mai­or, um anseio pri­mi­ti­vo, onde fre­quen­te­men­te dese­ja­mos satis­fa­zê-lo ten­tan­do nos ajus­tar ou bus­car apro­va­ção. Já Bert Hellinger diz que todos nós temos o direi­to de per­ten­cer e nos sen­tir­mos per­ten­cen­tes, mui­tas vezes por amor, outras vezes pela dor. Então refli­to: o que as pes­so­as bus­cam e o que as pre­o­cu­pam? Claro que é mui­to mais com­ple­xo e pro­fun­do do pon­to de vis­ta emo­ci­o­nal, mas tenho a cer­te­za de uma coi­sa: elas bus­cam per­ten­cer para viver ou sobre­vi­ver. Muitas vezes, se mol­dam para per­ten­cer a um gru­po de ami­gos, mes­mo con­tra sua von­ta­de, tomar drinks ou fumar ali um cigar­ri­nho, mes­mo que aqui­lo não lhe agra­de tan­to. Mas a neces­si­da­de de ser acei­ta é ain­da mais inte­res­san­te do que a dor de não per­ten­cer. E isso é mui­to mais trau­má­ti­co do que pos­sa ima­gi­nar. A pes­soa dei­xa de ser ela mes­ma, dei­xa de lado todas as suas von­ta­des para ser acei­ta pelo namo­ra­do, pelo gru­po da famí­lia, pela espo­sa, pelos ami­gos, pela che­fe, pelos pais. Ela é capaz de dei­xar tudo den­tro dela de lado, suas von­ta­des, sua essên­cia, para ser vis­ta, ser ama­da ou ser acei­ta, mas paga um pre­ço caro demais por isso, às vezes, com a vida.

Pertencer a si ain­da é o mai­or valor que se pode ter na vida. Saber suas for­ças de luz e for­ças som­bri­as. Entender as dores e de onde vem tudo isso ain­da, sim, é o mais cora­jo­so ato de per­ten­cer a si mes­mo. Porque, no fun­do, nos­sa mai­or von­ta­de é expe­ri­men­tar uma cone­xão real e ver­da­dei­ra com os outros, e isso só é pos­sí­vel quan­do exis­te uma cone­xão com nos­so eu mais pro­fun­do, com nos­sos valo­res e dores.

Somos seres inte­grais e pre­ci­sa­mos ter com­pai­xão de nós mes­mos o tem­po todo. Porque somen­te assim ini­ci­a­re­mos uma jor­na­da de ser, de auto­co­nhe­ci­men­to, auto­a­mor e, aci­ma de tudo, de auto­co­ne­xão em nos­sa alma. Não há nada de mal em bus­car aju­da para isso, é ain­da mais cora­jo­so. Muitas vezes não con­se­gui­mos isso sozi­nhos. E será a par­tir daí que con­se­gui­re­mos exis­tir, per­ten­cer e nos rela­ci­o­nar­mos de manei­ra sau­dá­vel: com base no res­pei­to, com­pai­xão e gene­ro­si­da­de por si. É a genuí­na inte­gra­ção de tudo que és, do jei­to que és por você em pri­mei­ro lugar. Acolhendo todas as tuas par­tes trau­ma­ti­za­das, sobre­vi­ven­tes e a sau­dá­vel. Claro, isso não acon­te­ce com um reme­di­nho ou em um dia, é sobre uma jor­na­da de emo­ções que tor­na­rá você um ser mais com­ple­to e for­ta­le­ci­do.

Sim, algu­mas mudan­ças podem ocor­rer. Aquele gru­po de ami­gos que você fazia par­te pode ago­ra não fazer sen­ti­do, por­que para você, fumar um cigar­ri­nho e os drinks tam­bém não faz mais sen­ti­do; aque­le namo­ra­do, que te tra­ta­va mal e te dava miga­lhas no seu rela­ci­o­na­men­to come­ça a per­der for­ça e pode ter­mi­nar; aque­le empre­go de anos pode ago­ra ficar peque­no, por­que você sen­te uma von­ta­de incon­tro­lá­vel de viver os seus pró­pri­os sonhos e expan­dir dife­ren­te dos seus pais; pode tam­bém enten­der que o dinhei­ro pode che­gar mais facil­men­te para você, por­que enten­deu que o seu valor tam­bém pre­ci­sa ser reco­nhe­ci­do por méri­to; pode tam­bém atrair rela­ci­o­na­men­tos sau­dá­veis como novos ami­gos e um gran­de amor que vai te tra­tar como de fato você sen­te que mere­ce. E por tudo isso e mais um pou­co, você enten­de­rá que pode con­ti­nu­ar a per­ten­cer, sem­pre, mas ago­ra pode per­ten­cer a algo mais real, com novas cone­xões espi­ri­tu­ais e, aci­ma de tudo, pode per­ten­cer a si e sen­tir-se mui­to bem assim. Mudar o rumo da sua jor­na­da, por­que é pos­sí­vel. E se alguém dis­ser que não é, bem, pare de “per­ten­cer” a ela, tome deci­sões, assu­ma sua pró­pria von­ta­de, modu­le todo o seu ambi­en­te e bus­que por pes­so­as que te tra­gam algo de bom den­tro daqui­lo que dese­ja para você.

SOBRE O AUTOR

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Virna Leite

Psicóloga, especialista em relacionamentos.

"Os artigos assinados por editores convidados refletem as opiniões e visões pessoais dos autores e não necessariamente representam a posição editorial deste jornal. O conteúdo é de inteira responsabilidade dos respectivos colaboradores."

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