Mato Grosso do Sul já contabiliza 12.393 casos de violência doméstica em 2025, uma média de um boletim de ocorrência a cada 25 minutos, segundo dados da Polícia Civil e do Tribunal de Justiça (TJMS). O cenário coloca o estado entre os líderes nacionais em registros de agressões contra mulheres, agravado pelo fato de que 62% das vítimas são negras e mais de 80% dos casos de estupro envolvem meninas com menos de 18 anos.
Os números, atualizados até o início de agosto, integram o Monitor da Violência Contra as Mulheres, ferramenta desenvolvida em parceria pelo TJMS e a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). A campanha Agosto Lilás, instituída pela Lei Estadual 4.969/2016, busca intensificar neste mês a conscientização sobre a gravidade do problema e cobrar respostas mais efetivas do poder público.
Cenário estadual e perfil das vítimas
A violência doméstica em MS apresenta um perfil racial bem definido: das mais de 12 mil vítimas, 7.673 são mulheres pretas ou pardas, o que corresponde a seis em cada dez ocorrências. A frequência dos crimes, registrada com precisão pelo monitoramento judicial, expõe um padrão recorrente de violação de direitos dentro do próprio ambiente familiar.
Os estupros também compõem esse quadro alarmante. Em 2025, já foram notificados 1.077 casos de violência sexual contra mulheres no estado. A maioria das vítimas são crianças e adolescentes: 447 têm entre 0 e 12 anos, e 442 entre 12 e 17 anos. Quinze vítimas tinham mais de 60 anos, evidenciando que a violência atinge todas as faixas etárias.
O feminicídio, forma mais extrema da violência de gênero, vitimou 21 mulheres apenas neste ano. A média é de três assassinatos por mês. Em 2024, foram 35 mortes, e o ano anterior terminou com a maior taxa do país. Embora tenha havido leve redução, a taxa sul-mato-grossense em 2023 ainda foi a quinta mais alta do Brasil, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Leis e iniciativas locais de conscientização
Além da campanha Agosto Lilás, outra iniciativa local busca ampliar a compreensão sobre as formas de violência: a Semana de Conscientização sobre a Violência Psicológica entre Mulheres, conhecida como “Wollying”. Criada pela Lei Estadual 6.203/2024, de autoria da deputada Mara Caseiro (PSDB), a ação ocorre na primeira semana de agosto com foco na violência emocional e silenciosa.
“Criamos a semana para dar nome ao que muitas mulheres vivem em silêncio e fortalecer a rede de proteção”, destacou a parlamentar. Já o deputado Professor Rinaldo Modesto (Podemos), autor da lei que instituiu o Agosto Lilás, enfatiza a necessidade de ação constante: “Nosso estado infelizmente lidera índices preocupantes de violência contra a mulher e feminicídio, o que torna ainda mais urgente a implementação de políticas eficazes”.
Entre os instrumentos de prevenção, está o programa “Maria da Penha vai à Escola”, previsto na Lei 4.969/2016. A proposta leva informações sobre a Lei Maria da Penha, que completa 19 anos neste 7 de agosto, a alunos da rede pública e privada, estimulando a educação para o respeito e a igualdade de gênero desde a infância.
Violência nacional e desafios da Lei Maria da Penha
Apesar de ser reconhecida como uma das legislações mais avançadas do mundo, a Lei Maria da Penha ainda enfrenta obstáculos para sua efetiva aplicação. Em 2024, o Brasil registrou quatro feminicídios e mais de dez tentativas de assassinato por dia, sendo que em 80% dos casos o autor era companheiro ou ex-companheiro da vítima. Ao menos 121 mulheres foram mortas mesmo após a concessão de medidas protetivas.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 101.656 medidas protetivas concedidas em 2024 foram descumpridas pelos agressores. Pesquisadoras apontam falhas estruturais na aplicação da lei, sobretudo em áreas fora das capitais, e defendem o fortalecimento de políticas públicas integradas para garantir acolhimento, assistência social e fiscalização dos agressores.
Isabella Matosinhos, pesquisadora da área, defende que a efetividade da legislação depende de uma atuação em rede: “A medida protetiva sozinha não resolve. É necessário que haja uma estrutura interligada entre polícia, saúde, assistência e justiça”. Já a professora Amanda Lagreca, da UFMG, reforça que a maioria das vítimas são mulheres negras e jovens, mortas dentro de casa, e alerta: “A violência de gênero é um dos grandes gargalos da democracia brasileira”.
Enquanto os índices revelam a persistência do problema, as ações articuladas entre leis, campanhas e educação tentam reverter um cenário ainda marcado pela impunidade e pelo silêncio. Para especialistas e agentes públicos, a luta contra a violência doméstica em MS e no Brasil exige compromisso diário e políticas concretas, não apenas discursos em datas simbólicas.
















