OPINIÃO

Reflexões sobre resiliência, dor e os pequenos milagres da maternidade atípica
O milagre de ser mãe atípica: uma reflexão sobre a dor, o medo e a graça
Foto: Arquivo pessoal/Monique Martins

Clique e ouça a matéria

Ser mãe atí­pi­ca é um per­cur­so que come­ça, mui­tas vezes, com o que pare­ce ser um des­mo­ro­na­men­to. No meu caso, não enten­dia o pro­pó­si­to de tama­nha dor, as noi­tes inso­nes, as incer­te­zas que pai­ra­vam sobre o futu­ro. Por mui­to tem­po, me per­gun­tei: “por quê?”

Mas a mater­ni­da­de atí­pi­ca tam­bém é um mila­gre — ain­da que só per­ce­ba­mos isso no meio do cami­nho, quan­do a dor come­ça a se trans­for­mar em for­ça e a vul­ne­ra­bi­li­da­de se con­ver­te em gra­ti­dão. Esta sema­na, algo tocou pro­fun­da­men­te meu cora­ção e me fez enxer­gar ain­da mais cla­ra­men­te o tama­nho des­se mila­gre. 

Um pedi­do de mila­gre 

Sigo uma arqui­te­ta no Instagram, conhe­ci­da por seus pro­je­tos ele­gan­tes e sofis­ti­ca­dos. Contudo, há pou­cos dias, seus sto­ri­es reve­la­ram um cená­rio mui­to dis­tan­te do design impe­cá­vel. Ela apa­re­ceu como Monique, a mãe de Maitê, uma meni­na de 12 anos que sofreu um AVC e está em coma. Monique esta­va deses­pe­ra­da, pedin­do ora­ções por um mila­gre que tal­vez ela nem com­pre­en­da com­ple­ta­men­te, assim como eu não com­pre­en­dia na épo­ca em que me tor­nei mãe atí­pi­ca.

AVCs pediá­tri­cos são raros, mas devas­ta­do­res. De acor­do com a Sociedade Brasileira de Pediatria, eles afe­tam até 13 cri­an­ças em um uni­ver­so de 100 mil. Em recém-nas­ci­dos, a taxa é de 1 a cada 4.000. Dados fri­os que não tra­du­zem a rea­li­da­de de quem vive isso: o medo que para­li­sa, a sen­sa­ção de impo­tên­cia e a súpli­ca por res­pos­tas.

Eu sen­ti a dor daque­la mãe de for­ma tão vis­ce­ral que pre­ci­sei envi­ar uma men­sa­gem de apoio, mas a cor­re­ria dos dias me afas­tou momen­ta­ne­a­men­te da his­tó­ria. Só que o des­ti­no pare­cia que­rer me lem­brar da inten­si­da­de des­sa jor­na­da. 

Uma madru­ga­da de medo

Estava dor­min­do ao lado de Isaac, meu filho de dois anos, quan­do per­ce­bi que ele esta­va quen­te demais. Logo, ele come­çou a ter movi­men­tos estra­nhos no bra­ço, que pare­ci­am espas­mos. Meu cora­ção gelou. Fui trans­por­ta­da ins­tan­ta­ne­a­men­te para memó­ri­as dolo­ro­sas com Samuel, meu outro filho, que enfren­tou con­vul­sões.

Levantei às pres­sas e cons­ta­tei que Isaac esta­va com qua­se 40 graus de febre e difi­cul­da­de para res­pi­rar. Já expe­ri­en­te em cri­ses res­pi­ra­tó­ri­as, medi­quei e fiz o res­ga­te. Ele ficou bem, mas eu não con­se­guia mais dor­mir.

Passei o res­to da noi­te obser­van­do Isaac, temen­do que aque­les espas­mos vol­tas­sem. E foi então que, mexen­do no celu­lar, vi nova­men­te o rela­to de Monique. Maitê segue em coma e ago­ra come­ça a apre­sen­tar sinais de mor­te cere­bral. É pos­sí­vel que Monique rece­ba em bre­ve a notí­cia que nenhu­ma mãe deve­ria ouvir, ou, quem sabe, o mila­gre pelo qual ela tan­to cla­ma.

Qual é o mila­gre?

Ser mãe atí­pi­ca é difí­cil, exaus­ti­vo e mui­tas vezes soli­tá­rio, mas é tam­bém um lem­bre­te cons­tan­te do poder do amor e da resi­li­ên­cia huma­na.

Não roman­ti­zo esse papel. A mater­ni­da­de é um tra­ba­lho árduo e tam­bém dolo­ro­so. Mas, ain­da assim, é uma opor­tu­ni­da­de de viven­ci­ar o amor de for­mas ines­pe­ra­das.

Um con­vi­te à refle­xão

Hoje, dedi­co este arti­go a Monique e peço a todas as mães que unam suas for­ças em ora­ção por Maitê. Não a conhe­ço pes­so­al­men­te, mas sei o que é ser mãe, e isso me faz enten­der a dor que sen­te. Desejo pro­fun­da­men­te que pos­sa viver a gra­ça da mater­ni­da­de atí­pi­ca, mes­mo com todos os seus desa­fi­os, por­que sei que nada, abso­lu­ta­men­te nada, se com­pa­ra à dor de per­der um filho.

Oro para que expe­ri­men­te a trans­for­ma­ção que vivi: que a tra­gé­dia ini­ci­al se con­ver­ta em for­ça, resi­li­ên­cia e amor.

A dádi­va da mater­ni­da­de atí­pi­ca

Não que­ro roman­ti­zar. Ser mãe atí­pi­ca é desa­fi­a­dor, exi­ge sacri­fí­ci­os ini­ma­gi­ná­veis e nos colo­ca dian­te de nos­sos mai­o­res medos. Mas, como mãe que conhe­ce essa rea­li­da­de, tam­bém pos­so dizer que há uma bele­za úni­ca nes­se per­cur­so. Ser mãe atí­pi­ca é viver cada dia como uma cele­bra­ção, apren­der a dar valor ao que outros con­si­de­ram banal e encon­trar for­ça onde nun­ca ima­gi­na­mos que ela exis­tia.

Que pos­sa­mos refle­tir ao invés de nos per­gun­tar­mos “por que eu?”, que enxer­gue­mos a dádi­va em nos­sas jor­na­das. Que seja­mos gra­tas, mes­mo nas bata­lhas mais difí­ceis, e lem­bre­mo-nos de que, se rece­be­mos desa­fi­os tão gran­des, é por­que fomos esco­lhi­das para ser a for­ta­le­za de nos­sos filhos.

E, jun­tas, ele­ve­mos nos­sas ora­ções por Maitê e Monique. Que pos­sam expe­ri­men­tar o mila­gre — ain­da que ele venha em for­mas que só o tem­po nos ensi­na a com­pre­en­der.

SOBRE O AUTOR

Picture of Karen Andrielly

Karen Andrielly

"Os artigos assinados por editores convidados refletem as opiniões e visões pessoais dos autores e não necessariamente representam a posição editorial deste jornal. O conteúdo é de inteira responsabilidade dos respectivos colaboradores."

Que tal assinar nossa Newsletter e ficar por dentro das novidades?

LEIA