Mais importante do que valorizar as próprias raízes é trazê-las pertinho da gente, às vezes. Claro, não se deve viver de passado, eu sei. Mas é tão bom poder se lembrar das pessoas que nos fizeram quem somos hoje. Pra mim, o dia 21 de outubro, é dia de saudade. Eu sempre disse que foi ele, meu avô, seo Nunes, que me ensinou que saudade tem cheiro, som, cor, trilha sonora … e no meu caso, especialmente, tem sotaque e poesia.
O cenário que me vem à cabeça é uma sala pequena de chão com piso vermelho, paredes de madeira,, um sofá em baixo da janela e uma tv daquelas bem antigas, em que o canal era trocado no girar de um botão. Antenas com bombril na ponta, claro, pra ver se “pegava bem”. Aquela tv era toda nossa, até a hora do almoço, quando começaria o jornal, dai era toda dele, não tinha jeito.
Meu avô era um senhor de poucos cabelos, branquinhos feito a neve, óculos grande com lentes largsa, até meio esverdeadas, uma risada muito boa, um bigodinho “na régua” e o mais gostoso, um sotaque daqueles que entregam a raiz ‘nórtixta’, bem ‘arraxtado’. O vô Nunes tinha cheirinho de rapé, que ele dizia que era “bom para o nariz”.
Palavras como “diacho”, expressões como “oh, criatura” ou “esse é meu capanga”, pra falar do neto que andava ao redor dele, no caso, meu irmão caçula.
E todo domingo era dia dele almoçar na minha casa. Chegava com seu sapato sempre lustroso, uma sacolinha de mercado com os doces e a cervejinha que iria bebericar antes do almoço e o jornal do dia, a parte de notícias pra ele e o caderno infantil para mim.
Ele parava da porta, olhava pra gente com aquele sorriso tão verdadeiro e sempre tinha uma poesia na ponta da língua. A mais comum era de Casimiro de Abreu: “Ah, que saudade da aurora da minha vida, da minha infância querida que os tempos não trazem mais!”.
Ah, vô, que saudade do cheirinho do seu rapé, De ouvir suas histórias, repetidas, repetidas, repetidas …
Outro dia me peguei aqui, falando de como eu ficava brava quando entrava no ônibus de volta pra casa e dava de cara com ele la dentro. Eu sabia que ele iria me apresentar para todos os “amigos” que ele fazia nessa viagem de volta pra casa. E com muito orgulho dizer: “Essa é minha neta!”. Adolescente é bicho besta, eu ficava morrendo de vergonha. E nesse dia 21, eu daria tudo só para ouvir novamente a voz dele dizendo: “Essa é minha neta!”
Meu advogado, meu defensor. “Deixe a menina, que tá vivendo!”, ele dizia em minha defesa. Dia 21 de o outubro, certamente iriamos comemorar nem que fosse com um cafézinho com leite e um pão com manteiga. Para no dia 23, no meu aniversário, comemorarmos de novo, cantando parabéns duplo. E ele chegaria bem cedo levando um pacote de presente pra mim e outro para o meu irmão, embora não fosse o aniversário dele, o vô não seria o causador de ciúmes entre nós.
Obrigada, meu avô! Por me ensinar a respirar poesia e amar com lágrimas nos olhos.

























