Pesquisa aponta níveis seis vezes maiores de nicotina no sangue e dependência mais severa que a do cigarro comum
Estudo revela alta concentração de nicotina em usuários de cigarro eletrônico
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Uma pes­qui­sa iné­di­ta do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da USP, em par­ce­ria com a Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo e o Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Medicina da USP, reve­lou que o uso de cigar­ros ele­trô­ni­cos pode levar a níveis de nico­ti­na no san­gue até seis vezes mai­o­res do que os obser­va­dos em fuman­tes de 20 cigar­ros con­ven­ci­o­nais por dia. O estu­do foi con­du­zi­do em bares, shows e even­tos de diver­sas cida­des pau­lis­tas e apon­ta para uma depen­dên­cia quí­mi­ca mais seve­ra asso­ci­a­da ao uso dos dis­po­si­ti­vos.

Coordenada pela pro­fes­so­ra Jaqueline Scholz, dire­to­ra do Núcleo de Tabagismo do InCor, a pes­qui­sa ana­li­sou 417 par­ti­ci­pan­tes ele­gí­veis. Os dados incluí­ram medi­ções dos níveis de nico­ti­na e coti­ni­na, subs­tân­ci­as pre­sen­tes nos pro­du­tos con­su­mi­dos, e um ques­ti­o­ná­rio deta­lha­do que ava­li­ou hábi­tos, per­cep­ção de ris­co e per­fil soci­o­e­conô­mi­co dos usuá­ri­os.

Jaqueline des­ta­ca que nun­ca havia encon­tra­do níveis tão ele­va­dos em fuman­tes de cigar­ros con­ven­ci­o­nais como os regis­tra­dos em usuá­ri­os de vape. Em um caso, foi detec­ta­do um nível de 2.400µg de nico­ti­na na cor­ren­te san­guí­nea, com­pa­ra­do aos 396µg típi­cos de um fuman­te de 20 cigar­ros diá­ri­os. Segundo ela, a apa­rên­cia ino­fen­si­va, o chei­ro agra­dá­vel e a ausên­cia de irri­ta­ção na larin­ge tor­nam o cigar­ro ele­trô­ni­co espe­ci­al­men­te atra­en­te, prin­ci­pal­men­te entre jovens.

Sais de nico­ti­na e o impac­to na depen­dên­cia
Desde a quar­ta gera­ção dos dis­po­si­ti­vos, a nico­ti­na uti­li­za­da nos cigar­ros ele­trô­ni­cos pas­sou a ser apre­sen­ta­da na for­ma de sais, resul­ta­do da neu­tra­li­za­ção da nico­ti­na fre­e­ba­se com áci­dos. Esses sais são mais con­cen­tra­dos e atu­am de manei­ra mais dire­ta nos canais dopa­mi­nér­gi­cos do cére­bro, pro­mo­ven­do eufo­ria e aumen­to do con­su­mo. Além dis­so, pos­su­em uma taxa de meta­bo­li­za­ção mais bai­xa, o que gera dúvi­das sobre os impac­tos a lon­go pra­zo no orga­nis­mo.

“Muitos jovens que nun­ca foram fuman­tes de cigar­ro tra­di­ci­o­nal apre­sen­ta­ram níveis de nico­ti­na mai­o­res do que os regis­tra­dos em fuman­tes de lon­ga data”, aler­ta Jaqueline Scholz. Esses casos foram deci­si­vos para a médi­ca esta­be­le­cer as par­ce­ri­as que via­bi­li­za­ram o estu­do.

A cole­ta de mate­ri­al bio­ló­gi­co foi ino­va­do­ra: em vez de uti­li­zar exa­mes de san­gue, o méto­do pre­fe­ri­do foi a sali­va, que é menos inva­si­va e estres­san­te, além de redu­zir as chan­ces de adul­te­ra­ção. As amos­tras foram ana­li­sa­das por espec­tro­me­tria de mas­sas, méto­do que per­mi­tiu iden­ti­fi­car e quan­ti­fi­car as subs­tân­ci­as con­su­mi­das.

Estudo revela alta concentração de nicotina em usuários de cigarro eletrônico
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Riscos à saú­de e desa­fi­os da regu­la­men­ta­ção
O estu­do apon­ta que a fuma­ça dos cigar­ros ele­trô­ni­cos con­tém par­tí­cu­las ultra­fi­nas que alcan­çam a cor­ren­te san­guí­nea, jun­to com outras subs­tân­ci­as quí­mi­cas ain­da pou­co estu­da­das. Além dis­so, mui­tos par­ti­ci­pan­tes rela­ta­ram que seus dis­po­si­ti­vos não con­ti­nham nico­ti­na, mas as aná­li­ses mos­tra­ram o con­trá­rio. Isso refle­te a fal­ta de infor­ma­ção sobre os pro­du­tos con­su­mi­dos, espe­ci­al­men­te os des­car­tá­veis ou recar­re­gá­veis, que pre­do­mi­nam no mer­ca­do.

Outra des­co­ber­ta alar­man­te foi a alta pre­va­lên­cia de ten­ta­ti­vas frus­tra­das de aban­do­nar o cigar­ro ele­trô­ni­co, evi­den­ci­an­do o for­te grau de depen­dên­cia. “A per­cep­ção de depen­dên­cia só apa­re­ce com níveis mais altos de nico­ti­na”, expli­ca Jaqueline. A saú­de men­tal dos usuá­ri­os tam­bém foi ava­li­a­da, mos­tran­do rela­ção entre o con­su­mo e pro­ble­mas psí­qui­cos.

Desde 2009, São Paulo con­ta com a Lei Antifumo (Lei Estadual nº 13.541), que proí­be o uso de cigar­ros em ambi­en­tes fecha­dos, mas os dados do estu­do indi­cam que os ele­trô­ni­cos apre­sen­tam um novo desa­fio regu­la­tó­rio. Jaqueline Scholz defen­de medi­das mais res­tri­ti­vas e edu­ca­ti­vas para lidar com o pro­ble­ma. “Se libe­rar, bara­teia e o pro­ble­ma che­ga com mais for­ça no SUS. Não se ganha mais impos­to, ao con­trá­rio, se per­de”, afir­ma.

Fonte: Jornal da USP

SOBRE O AUTOR

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Odirley Deotty

Odirley Deotti é jornalista, escritor, designer gráfico e chefe de redação do Guia MS Notícias.

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